A Caridade que Prende: Como a Assistência da Igreja Romana Pode Prolongar a Situação de Rua

Introdução

A presença de moradores de rua nas grandes cidades brasileiras tornou-se uma realidade crônica. A cada ano, o número de pessoas vivendo em situação de rua cresce, acompanhado por ações filantrópicas que tentam mitigar, mas raramente resolver o problema. Neste cenário, instituições religiosas — em especial, a Igreja Católica Romana — assumem um papel de destaque por sua atuação histórica na assistência aos pobres.

Contudo, o que muitos não percebem é que essa caridade, ao invés de promover libertação, dignidade e reinserção social, pode estar, em alguns casos, prolongando e institucionalizando a miséria. A crítica aqui não é à compaixão, mas à forma como ela é aplicada sem uma visão bíblica de transformação.

Este artigo analisa esse fenômeno à luz da teologia reformada e das investigações de autores como Yago Martins, que em seu livro A Máfia dos Mendigos desvela a estrutura de exploração, vício e dependência mantida sob a aparência de ajuda humanitária.

A caridade sem reforma: o modelo romano de assistência

A Igreja Católica Romana, desde a Idade Média, estabeleceu redes de acolhimento aos necessitados. Hospitais, casas de caridade e albergues tornaram-se símbolos de sua ação social. No Brasil, essa tradição continua viva em paróquias, ordens religiosas e projetos ligados à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil).

Contudo, essa abordagem — ainda que bem intencionada — baseia-se, muitas vezes, numa visão sacramentalista da salvação, onde obras de caridade funcionam como mérito espiritual. O resultado é um modelo assistencialista que se concentra em suprir necessidades imediatas, mas que ignora ou minimiza o chamado à transformação moral e espiritual.

Sem exigência de mudança de vida, sem confronto com o pecado e sem perspectiva de trabalho e dignidade, esse tipo de caridade torna-se uma prisão confortável, onde a ajuda constante anula a responsabilidade pessoal e incentiva a dependência contínua.

A máfia dos mendigos: a institucionalização da rua

Em A Máfia dos Mendigos, o teólogo e missionário Yago Martins expõe uma realidade chocante, mas pouco discutida: as ruas têm donos. Existem grupos organizados que exploram a mendicância como negócio lucrativo. Pessoas em situação de rua são recrutadas, manipuladas e mantidas nas calçadas para gerar renda — seja através de esmolas, doações ou repasses de instituições públicas e religiosas.

Segundo o autor, há um ciclo vicioso operando:

  • Grupos exploradores organizam os pontos de mendicância, definindo quem “trabalha” onde.
  • Instituições filantrópicas reforçam a permanência ao fornecer comida, roupas e abrigo sem critério ou disciplina.
  • O morador de rua aprende a sobreviver no sistema, muitas vezes resistindo a oportunidades de trabalho e reintegração.

Esse cenário é agravado por políticas públicas e ações religiosas que não exigem responsabilidade, arrependimento ou mudança, mas apenas oferecem recursos imediatos. Yago argumenta que o problema da rua é moral antes de ser social, e que a verdadeira caridade cristã não pode ser reduzida a “suprir estômagos vazios”, mas deve ser um chamado à nova vida.

A crítica reformada ao assistencialismo sem cosmovisão

A tradição reformada sempre reconheceu o chamado bíblico à misericórdia — “Bem-aventurados os misericordiosos” (Mt 5.7) — mas nunca separou a misericórdia da justiça e da verdade. Para os reformadores, a caridade genuína envolve não apenas socorro físico, mas transformação de vida sob a autoridade de Cristo.

Autores reformados como Calvino, Kuyper e os puritanos defendiam:

  • Ajuda com disciplina e propósito: não basta dar comida, é preciso orientar o necessitado a uma vida produtiva.
  • A importância do trabalho como vocação: a dignidade humana se realiza no serviço e na responsabilidade.
  • O papel da Igreja na restauração espiritual: confrontar o pecado, discipular e reintegrar à comunidade.

Quando a assistência ignora essas dimensões, ela se torna paliativa e até destrutiva, pois reforça padrões de vício, irresponsabilidade e marginalização.

Caridade como instrumento de poder político

Outro aspecto que precisa ser considerado é o uso político da caridade. Em muitos contextos, a assistência aos pobres se tornou um instrumento de influência ideológica. No caso da Igreja Católica no Brasil, muitas ações sociais estão ligadas à Teologia da Libertação, um movimento que mistura cristianismo com marxismo cultural.

Em vez de promover a transformação cristã, essa abordagem incentiva a luta de classes, o vitimismo e a dependência do Estado. Em nome da “opção preferencial pelos pobres”, a Igreja se tornou, em muitos casos, agente da manutenção da pobreza, ao invés de ser promotora da regeneração moral e social.

Isso se evidencia também na estética da pobreza, cultivada em certas paróquias e movimentos sociais: glorifica-se o mendigo, romantiza-se a miséria e despreza-se a prosperidade lícita. A pobreza vira símbolo de pureza, e toda tentativa de emancipação é vista com suspeita.

Uma alternativa bíblica: misericórdia com transformação

O evangelho não nos chama apenas a ajudar os pobres, mas a integrá-los ao Reino de Deus. Isso significa oferecer mais do que pão: oferecer disciplina, vocação, comunidade e dignidade. Como?

  1. Igrejas locais com ministérios de reintegração: Ajudar moradores de rua com orientação bíblica, assistência prática e discipulado sério.
  2. Trabalho como redenção: Criar oficinas, cooperativas e oportunidades de emprego vinculadas à transformação espiritual.
  3. Combate às estruturas criminosas: Denunciar e enfraquecer os sistemas que exploram os pobres.
  4. Critério na caridade: A Bíblia chama a discernir quem realmente precisa de ajuda (2 Ts 3.10; Pv 6.6-11).
  5. Pregação fiel do evangelho: Sem arrependimento e fé, qualquer ajuda é apenas um conforto temporário para a alma perdida.

Conclusão: O chamado à caridade reformada

O Senhor Jesus não nos chama à caridade sem critérios, mas à misericórdia com verdade. A Igreja não foi chamada apenas para alimentar bocas, mas para libertar almas da escravidão do pecado e da miséria. Caridade sem transformação é apenas manutenção da desgraça.

Que a Tribuna Reformada seja um espaço de denúncia profética e proposta concreta. Que levantemos uma geração de cristãos reformados que pense a sociedade à luz da Palavra, que confronte as estruturas que perpetuam a miséria e que ofereça uma alternativa verdadeiramente libertadora: o evangelho do Reino de Deus, que transforma mendigos em irmãos e vagabundos em trabalhadores.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *