“Irei ao Púlpito sem Influência Política” — Uma Falácia à Luz de Roy Clouser

Alguns dos melhores textos da história cristã surgiram como respostas a ataques
recebidos. Não pretendo, de forma alguma, comparar este artigo às grandes obras
de defesa da fé, como a célebre resposta de Lutero a Erasmo. Contudo, o que aqui
se apresenta nasce de uma inquietação semelhante: a necessidade de corrigir uma
ideia equivocada, que, embora bem-intencionada, revela uma contradição
preocupante.


No último domingo pela manhã, dirigi uma pergunta a um jovem licenciando,
candidato ao pastorado em minha igreja presbiteriana: “É possível haver
neutralidade política na tribuna da igreja?” A resposta que recebi, infelizmente,
evidenciou uma confusão conceitual e um desconhecimento da natureza integral da
cosmovisão cristã. Afirmar tal neutralidade não apenas ignora a totalidade do
senhorio de Cristo, mas flerta com um dualismo perigoso que fragmenta a fé e a
vida.


Foi diante desse impasse intelectual que este artigo nasceu. Em primeiro lugar, ele
é um ato de amor à igreja de Cristo, cuja missão não pode ser diluída por categorias
seculares ou pretensamente neutras. Em segundo lugar, este texto propõe uma
correção ao modo de pensar e operar que se manifesta na afirmação feita pelo
jovem candidato. O objetivo não é a crítica pessoal, mas a edificação teológica e
pastoral da igreja, a fim de que sua voz na sociedade não seja abafada por ilusões
de neutralidade, mas guiada pela fidelidade à verdade de Deus.
Em tempos de polarização ideológica, é comum ouvir líderes religiosos afirmarem:
“Irei ao púlpito sem influência política”. À primeira vista, tal declaração parece sinal
de equilíbrio e sensatez. Contudo, como nos mostra o filósofo Roy Clouser em seu
livro O Mito da Neutralidade Religiosa, essa afirmação é, na verdade, uma falácia —
e das mais perigosas.


A ilusão da neutralidade


Clouser desmonta a ideia de que existe alguma posição verdadeiramente neutra em
relação à fé, à moral e à política. Para ele, todo pensamento — inclusive o científico
e o filosófico — está fundamentado em pressupostos religiosos, mesmo que não
sejam explicitamente reconhecidos como tal. A base de sua argumentação é
simples: todas as cosmovisões (visões de mundo) partem de um ponto de partida
último, uma crença fundamental sobre a realidade, que molda tudo o que vem
depois — inclusive nossa forma de pensar sobre política, justiça, economia e
sociedade.


Dessa forma, dizer que alguém “não está sendo influenciado pela política” ao pregar
é como dizer que é possível pensar sem pressupostos. Clouser diria que isso é
mitológico — não no sentido de mentira intencional, mas de ilusão cultural
profundamente enraizada.


Clouser desmonta, com precisão filosófica e rigor conceitual, a ideia de que exista
qualquer posição verdadeiramente neutra em relação à fé, à moral ou à política.
Para ele, todo pensamento humano — seja no campo da ciência, da filosofia, da
ética ou da teologia — está inevitavelmente alicerçado em pressupostos religiosos.
Esses pressupostos não precisam ser explicitamente teístas nem conscientemente
reconhecidos, mas são, ainda assim, inerentes à estrutura do pensamento. Não
existe um ponto de partida puramente “racional” ou “objetivo” no sentido secular
moderno; todo raciocínio parte de uma crença fundamental sobre a natureza da
realidade.


A força da argumentação de Clouser reside em sua simplicidade reveladora: toda
cosmovisão — isto é, toda maneira abrangente de entender o mundo e a vida —
parte de um ponto de partida último. Esse ponto de partida não é neutro nem
meramente lógico, mas confessional. Trata-se de uma fé básica, uma convicção
profunda sobre o que é mais fundamental no universo: seja Deus, a matéria, a
liberdade individual, a evolução, a razão humana ou qualquer outro absoluto
funcional. É essa crença que serve como lente para interpretar tudo o mais,
inclusive os temas da justiça, da política, da economia e da organização social.
Dessa forma, afirmar que alguém “não está sendo influenciado pela política” ao
pregar — ou que a igreja pode manter-se “neutra” nas questões públicas —
equivale, na lógica clousiana, a dizer que é possível pensar sem pressupostos.
Trata-se, segundo ele, de uma mitologia moderna. E aqui “mitologia” não é usada no
sentido vulgar de mentira deliberada, mas como uma ilusão cultural profundamente
arraigada: uma narrativa secular que nos faz crer que há esferas do saber e da ação
que podem estar imunes à influência de convicções religiosas.
Para Clouser, essa crença na neutralidade não é apenas falsa — é perigosamente
ingênua. Ao aceitar essa ilusão, os cristãos cedem terreno ao secularismo
justamente nos lugares onde mais deveriam ser vigilantes: na formação da
consciência moral da igreja, na proclamação pública da verdade e na denúncia das
idolatrias culturais. Ao invés de reconhecer que toda política carrega em si uma
teologia implícita, muitos líderes cristãos acabam adotando uma postura de suposta
isenção que, no fundo, revela um compromisso com os valores dominantes da
cultura, e não com a verdade bíblica.


A implicação disso é profunda: quando a igreja se cala sob o pretexto da
neutralidade, ela não apenas falha em sua vocação profética, mas acaba,
inadvertidamente, promovendo a religião do status quo — geralmente moldada
pelos ídolos do poder, da autonomia humana, do progresso técnico ou da tolerância
absolutizada. Em nome da “imparcialidade”, a igreja pode acabar sendo cúmplice do
paganismo moderno.


Portanto, a verdadeira questão não é se haverá influência política no púlpito, mas
qual política, qual visão de justiça, qual cosmovisão está moldando aquilo que é dito
— ou silenciado. A pregação que se pretende neutra corre o risco de trair o
evangelho precisamente por tentar escapar do seu escândalo: o senhorio total de
Cristo sobre todas as coisas, inclusive a política.


Política como expressão de valores


A política, como expressão prática da moralidade, está inevitavelmente ligada à fé.
Toda proposta política se baseia em uma ideia do que é justo, certo, verdadeiro,
bom para o ser humano e para a sociedade. E essas ideias, por sua vez, são
informadas pela visão de mundo — e, portanto, pela religião no sentido mais
profundo da palavra: aquilo que você crê ser o fundamento da realidade.
O pregador que afirma “não misturar fé e política” está, na verdade, apenas optando
por não confrontar uma cosmovisão política dominante — muitas vezes secular —
que já influencia sua audiência. Ele se torna cúmplice de uma falsa neutralidade,
enquanto o povo de Deus carece de uma direção profética que ilumine as esferas
públicas com a luz das Escrituras.


O chamado profético da pregação


O púlpito cristão é, por natureza, político — não no sentido partidário, mas no
sentido de declarar que há um Senhor acima de todos os reis e presidentes, e que
Seu Reino tem implicações reais e concretas sobre como vivemos, governamos e
julgamos.


Negar isso é negar o senhorio de Cristo sobre todas as coisas, inclusive sobre a
política. O apóstolo Paulo declarou que toda autoridade foi estabelecida por Deus
(Romanos 13), e que Jesus é o Rei dos reis (1 Timóteo 6:15). A mensagem do
Evangelho não é apenas espiritual — ela é total, abrangente, transformadora. O
púlpito que se cala diante das injustiças políticas ou morais por medo de “politizar” o
Evangelho está, de fato, se curvando a outra ideologia — e isso é, como diria
Clouser, uma expressão de outra religião.


Conclusão


Portanto, afirmar “Irei ao púlpito sem influência política” é negar a realidade dos
fatos: todo púlpito está influenciado por alguma política — ou por alguma ideologia
que se apresenta como neutra, mas que é fundamentada em valores religiosos
alternativos ao Reino de Deus.
Como igreja, precisamos de pregadores que não busquem neutralidade, mas
fidelidade. Que não fujam da política, mas a confrontem com a verdade do
Evangelho. O verdadeiro perigo não é politizar o púlpito — é secularizá-lo em nome
de uma neutralidade que não existe.

CLOUSER, Roy A. O mito da neutralidade religiosa: uma análise da pressuposição
religiosa nas teorias científicas. Tradução de Guilherme R. Kerr. São Paulo: Cultura
Cristã, 2021.

2 comentários em ““Irei ao Púlpito sem Influência Política” — Uma Falácia à Luz de Roy Clouser”

  1. Rev. Josiel

    Concordo! O Evangelho não é neutro. Ao escolher ser fiel ao Evangelho é a Cristo, eu já fiz uma escolha política.

    1. Olá, querido irmão (e pastor)!
      Seu apoio é um presente precioso para nós. 💛
      Saber que os conteúdos do blog têm edificado sua vida nos enche de alegria e responsabilidade diante de Deus. Que o Senhor continue fortalecendo sua fé, sua família e sua caminhada no Reino!

      Estamos juntos nesta jornada de fidelidade à verdade e à glória de Cristo.
      Conte conosco — e volte sempre! ✨

      Em Cristo,

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