O Pacto como Fundamento do Casamento

Introdução

“Pois, embora o governo civil tenha seu lugar, deve sempre estar subordinado à Palavra de Deus, que é a autoridade última sobre todas as relações humanas.” (Institutas, Livro IV, Cap. 20)

Em tempos em que o conceito de casamento é constantemente redefinido por forças culturais e legais, é vital que os cristãos retornem às Escrituras para redescobrir a natureza verdadeira e sagrada do matrimônio. O casamento não é meramente uma convenção social regulamentada pelo Estado, mas um pacto sagrado, estabelecido diante de Deus, entre um homem e uma mulher. Esta verdade tem profundas implicações teológicas e práticas para a vida cristã.

1. Casamento: Aliança ou Contrato Civil?

O conceito bíblico de casamento é, acima de tudo, o de uma aliança (hebraico berith), não um simples contrato civil. Em Malaquias 2:14, Deus acusa os homens de Judá de traição porque quebraram a “aliança com a esposa da juventude”. O texto deixa claro que o casamento não é apenas uma união afetiva ou legal, mas um juramento solene, realizado diante de Deus.

“O Senhor foi testemunha da aliança entre você e a esposa da sua juventude, à qual você foi infiel, embora fosse sua companheira, a esposa da sua aliança.”
(Malaquias 2:14, NVT)

Assim, a autoridade do casamento não reside primariamente no Estado, mas em Deus. O Estado pode reconhecer e regulamentar uniões civis, mas ele não é o autor do casamento. Quando o Estado reivindica para si a autoridade última sobre quem está ou não casado, ele usurpa uma prerrogativa divina.

2. O Pacto como Fundamento do Casamento

A base do casamento bíblico não está em formalidades externas, mas no pacto verbal de compromisso feito entre um homem e uma mulher, diante de Deus. Esse pacto é mais que um sentimento ou desejo; é uma declaração solene que expressa a união de duas vidas sob a autoridade divina. O primeiro exemplo bíblico de casamento, em Gênesis 2, revela claramente esse princípio.

A Primeira Declaração de Aliança: Adão

Após Deus formar Eva da costela de Adão e apresentá-la a ele, Adão faz uma declaração poderosa:

“Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’, porque do homem foi tirada.”
(Gênesis 2:23, NVT)

Esse versículo pode parecer poético à primeira vista, mas é muito mais do que isso. Ele é, na verdade, o primeiro voto conjugal da história humana — um ato verbal de aliança. Vamos observar alguns elementos fundamentais dessa declaração:

  1. Reconhecimento e aceitação: Adão reconhece Eva como parte de si mesmo (“osso dos meus ossos e carne da minha carne”), indicando um vínculo essencial e inseparável. Ele não apenas a vê como semelhante, mas como sua correspondente, sua parceira exclusiva.
  2. Declaração pública: Embora não houvesse testemunhas humanas, Adão falou diante de Deus. Isso nos mostra que o casamento não requer necessariamente uma audiência humana ou instituição estatal — mas sim um juramento consciente diante de Deus.
  3. Nominação: Quando Adão a chama de “mulher”, ele a nomeia — um ato que, na cultura bíblica, denota autoridade e responsabilidade relacional. Dar um nome é reconhecer a identidade do outro em relação ao próprio pacto.

Essa declaração é o coração do casamento: um compromisso verbal, solene, público e irrevogável, fundamentado em amor, reconhecimento e responsabilidade. E o que vemos imediatamente depois?

“Por isso o homem deixa pai e mãe e se une à sua mulher, e os dois se tornam um só corpo.”
(Gênesis 2:24)

A união física e emocional que se segue (tornar-se “um só corpo”) é consequência lógica do pacto verbal estabelecido no versículo anterior. A sexualidade no casamento é, assim, a celebração do pacto — não sua fundação.

Sem o pacto, não há casamento

A estrutura do texto de Gênesis 2 é decisiva: o casamento começa com uma palavra, não com um documento. É a confissão pública e consciente de união, feita por Adão, que institui o casamento original. Não havia templo, sacerdote, cartório ou contrato — mas havia um pacto verbal diante do Criador. Isso mostra que a essência do casamento não está no aparato legal, mas na aliança de palavras comprometidas diante de Deus.

Na tradição bíblica, pactos sempre envolvem declarações explícitas. Seja no pacto de Deus com Noé, Abraão, Moisés ou Davi, sempre houve palavras solenes que estabeleceram a relação. O mesmo se aplica ao casamento.

O eco dessa declaração na história bíblica

Essa estrutura se repete ao longo das Escrituras. Quando Boaz casa-se com Rute (Rute 4), há também uma declaração verbal diante de testemunhas — a porta da cidade servia como o “tribunal” onde alianças eram seladas. Não se tratava de burocracia estatal, mas de confirmação verbal pública do pacto.

Em Provérbios 2:17, a mulher adúltera é descrita como aquela que “esquece a aliança do seu Deus”. Isso mostra novamente que o casamento é, essencialmente, um juramento diante de Deus — não apenas um contrato humano.

3. Cristo e a Igreja: O Modelo Supremo

O casamento terreno é uma imagem da união entre Cristo e a Igreja (Efésios 5:22-33). Essa união não é baseada em um documento estatal, mas em um pacto eterno, selado pelo sangue de Cristo (Hebreus 13:20). Da mesma forma, os cônjuges se entregam um ao outro com base em um compromisso solene, irrevogável e público.

“Pois sou zeloso por vocês com o zelo de Deus. Prometi vocês a um único marido, Cristo, para apresentá-los a ele como uma virgem pura.”
(2 Coríntios 11:2)

Assim como Cristo pactuou-se com sua Noiva (a Igreja), o casamento cristão deve ser fundamentado em um pacto — não em um carimbo legal.

4. Apoio Histórico e Teológico

Vários teólogos reformados sustentaram que o casamento é um pacto diante de Deus, não um contrato civil:

  • Martin Luther (Martinho Lutero) reconhecia a função civil do casamento, mas enfatizava que a verdadeira essência era um compromisso moral e espiritual entre os cônjuges, diante de Deus.
  • John Calvin (João Calvino), em suas Institutas, também via o casamento como um vínculo sagrado, reconhecendo a necessidade de ordem civil, mas sem diminuir a natureza espiritual e pactual do matrimônio.
  • Douglas Wilson, em seu livro Reforming Marriage, argumenta que o casamento é essencialmente um juramento de lealdade e compromisso vitalício. Ele afirma: “Casamento é um pacto, e pactos são confirmados por palavras de juramento, não por sentimentos ou decretos do governo.”
  • Paul Washer enfatiza que a solenidade do casamento está na aliança diante de Deus, e não em celebrações externas: “Você não está apenas assinando papéis. Está entrando em um pacto diante do Senhor.”

5. Implicações Práticas

Se o casamento é um pacto:

  • A declaração verbal pública de compromisso é essencial. Sem essa aliança juramentada, não há casamento.
  • A presença do Estado pode ser útil para propósitos civis (herança, nome, proteção legal), mas não é essencial para que um casamento seja legítimo diante de Deus.
  • A responsabilidade diante de Deus é maior que qualquer papel assinado. O pacto é inviolável porque Deus é testemunha (Eclesiastes 5:4-6).

O casamento é, acima de tudo, um pacto. Essa verdade restaura a dignidade, a permanência e a santidade do matrimônio. Em uma cultura onde o Estado redefine constantemente o que é ou não casamento, os cristãos devem permanecer firmes no modelo bíblico: o casamento é uma aliança verbal, solene, pública, diante de Deus — um símbolo vivo da união entre Cristo e sua Igreja.

O Pacto como Fundamento do Casamento: A Palavra que Une, Não o Estado

Na origem da humanidade, antes que existisse qualquer governo, tribunal ou autoridade institucionalizada, houve um casamento. Não havia cartório, contrato ou cerimônia legal — apenas a presença de Deus e a declaração de um homem. Essa cena inaugural nos revela um princípio imutável e profundamente teológico: o casamento é fundamentado na aliança, não na autorização estatal. O que une homem e mulher diante de Deus não é o selo de uma instituição humana, mas o pacto verbal de entrega mútua, selado com palavras proferidas em fé e responsabilidade.

Quando Deus trouxe Eva até Adão, Ele não apenas completou a criação, mas inaugurou o casamento como instituição divina. A resposta de Adão, ao ver Eva, é reveladora:

“Esta, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne! Ela será chamada ‘mulher’, porque do homem foi tirada.”
(Gênesis 2:23, NVT)

Esta frase não é meramente uma exclamação de admiração ou poesia romântica. É, em essência, uma declaração pactual. Adão reconhece, afirma e nomeia. Reconhece nela sua igual e complementar. Afirma sua união: osso dos seus ossos. E a nomeia: mulher. Não há documento, mas há palavra; não há Estado, mas há compromisso verbal irrevogável. Essa é a linguagem da aliança — e onde há aliança, há casamento.

É exatamente sobre isso que o versículo seguinte testifica:

“Por isso o homem deixa pai e mãe e se une à sua mulher, e os dois se tornam um só corpo.”
(Gênesis 2:24)

O “por isso” que abre esse versículo é a ponte lógica entre a declaração verbal (v. 23) e a união conjugal (v. 24). É porque houve pacto que há união. Em outras palavras, sem pacto, não há casamento — e com pacto, ainda que não haja selo estatal, há casamento diante de Deus.

Ao longo das Escrituras, vemos esse mesmo padrão de aliança sendo reforçado. Em Malaquias 2:14, Deus censura os homens por serem infiéis às suas esposas, dizendo que eles “foram desleais com a mulher da aliança”. E em Provérbios 2:17, a mulher adúltera é aquela que abandona “o companheiro da sua juventude” e “esquece a aliança com o seu Deus”. O que torna o casamento válido não é uma assinatura em papel, mas a aliança diante do Altíssimo.

Contudo, na prática da igreja contemporânea, esse fundamento tem sido ignorado ou subvertido. Muitos líderes, igrejas e membros não reconhecem como legítimo um casamento que não tenha sido sancionado pelo Estado, como se este fosse o verdadeiro senhor da aliança. O que está por trás dessa exigência não é apenas zelo pela ordem, mas muitas vezes uma idolatria institucionalizada.

Entendo, no entanto, que se a igreja terrena não tivesse outro deus para adorar, ela aceitaria o casamento sem precisar da validade de outra divindade — a que adora, no caso, o deus estado — uma vez que essa divindade já passou de suas atribuições bíblicas. Em nome da ordem civil, a igreja muitas vezes se submete ao domínio de César, onde apenas deveria obedecer a Deus. O Estado, que deveria ser ministro da justiça civil (Rm 13), é elevado a dispensador de bênçãos espirituais — como se suas leis pudessem definir o que Deus já instituiu por Sua própria Palavra.

A idolatria não precisa de estátuas para florescer. Basta que se transfira a confiança e a autoridade que pertencem a Deus para outra instância — neste caso, o Estado moderno. E quando a igreja exige que a aliança seja validada por esse ente secular para que seja considerada “legítima”, ela revela que não é apenas serva de Deus, mas também sacerdotisa de uma outra ordem de adoração.

A Escritura, no entanto, é clara. O casamento começa quando há declaração de pacto entre um homem e uma mulher, diante de Deus, com a intenção de se unirem para toda a vida. Essa aliança é celebrada com palavras, confirmada com vida conjunta, e testemunhada pelo próprio Senhor.

Cristo não assinou papéis com Sua noiva. Ele a amou, entregou-se por ela, e a redimiu com Seu sangue. E a igreja, ao confessar Seu nome e responder a esse amor com fé, torna-se participante da aliança eterna. O casamento terreno é o símbolo desse pacto glorioso. Portanto, qualquer união que tenha sua origem unicamente no Estado, mas não no pacto diante de Deus, não é casamento verdadeiro. Por outro lado, toda união que nasce de um juramento verbal e público de fidelidade, feito com temor a Deus, é casamento legítimo aos olhos do céu, mesmo que o mundo não reconheça.

CALVINO, João. As Institutas da Religião Cristã. 4. ed. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

WASHER, Paul. A Verdade Sobre o Casamento Cristão. São Paulo: Fiel, 2011.

WILSON, Douglas. Reforming Marriage. Moscow (ID): Canon Press, 1995.

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