Introdução: A Relevância do Credo Apostólico na Confissão Cristã
O Credo Apostólico representa um dos mais antigos e veneráveis tesouros da fé cristã, atravessando quase dois milênios de história eclesiástica como uma confissão sucinta e poderosa dos elementos fundamentais da fé. Esta antiga declaração, recitada semanalmente em inúmeras congregações ao redor do mundo, permanece como um elo vital que conecta os cristãos contemporâneos à igreja primitiva e aos fundamentos apostólicos da fé. Em um mundo caracterizado pela fragmentação doutrinária e pelo relativismo teológico, o Credo Apostólico ergue-se como um farol de continuidade histórica e ortodoxia cristã, oferecendo aos fiéis um resumo conciso e autoritativo das verdades essenciais do Evangelho.
O que é o Credo Apostólico e sua função na igreja
O termo “credo” deriva do latim “credo”, que significa “eu creio”, palavras com as quais se inicia esta confissão de fé. Mais do que um simples documento histórico, o Credo Apostólico funciona como uma declaração batismal, um instrumento catequético e uma afirmação litúrgica que sintetiza as verdades fundamentais da fé cristã em doze artigos distintos. Estruturado de forma trinitária, o Credo confessa a fé em Deus Pai como Criador, em Jesus Cristo como Redentor e no Espírito Santo como Santificador, além de afirmar verdades essenciais sobre a Igreja, a remissão dos pecados, a ressurreição e a vida eterna.
Na tradição reformada, o Credo Apostólico ocupa um lugar de destaque, sendo incorporado em importantes documentos confessionais e catecismos. A Assembleia de Westminster, por exemplo, anexou o Credo, juntamente com os Dez Mandamentos e a Oração Dominical, ao seu Catecismo, reconhecendo-o não como Escritura canônica, mas como “um breve resumo da fé cristã, por estar de acordo com a palavra de Deus, e por ser aceito desde a antiguidade pelas igrejas de Cristo”, conforme citado por Paulo Anglada em sua obra “Sola Scriptura: A Doutrina Reformada das Escrituras“.
Ao longo dos séculos, o Credo tem desempenhado múltiplas funções na vida da Igreja: como profissão de fé batismal para novos convertidos, como instrumento de instrução para catecúmenos, como declaração litúrgica no culto público e como defesa contra heresias que ameaçavam a integridade da fé apostólica. Sua brevidade e clareza o tornaram particularmente adequado para a memorização e recitação, permitindo que mesmo os cristãos sem acesso a textos escritos pudessem preservar e transmitir as verdades essenciais da fé.
Por que estudar o Credo Apostólico no século XXI
Em uma era de individualismo espiritual e relativismo doutrinário, o estudo do Credo Apostólico oferece um antídoto necessário contra a tendência de reduzir a fé cristã a experiências subjetivas ou preferências pessoais. O Credo nos lembra que a fé cristã possui um conteúdo objetivo e histórico, ancorado em eventos reais e verdades reveladas, não em sentimentos ou opiniões transitórias. Como observou o teólogo Paul Tillich, a primeira declaração do Credo – “Creio em Deus Pai Todo-Poderoso Criador do Céu e da Terra” – já representa “a grande muralha que o cristianismo ergueu contra o paganismo”, estabelecendo uma clara distinção entre a visão cristã da realidade e as interpretações dualistas ou panteístas do mundo.
Para os cristãos reformados contemporâneos, o estudo do Credo Apostólico proporciona uma oportunidade de reconexão com as raízes históricas da fé, transcendendo as divisões denominacionais e as controvérsias teológicas secundárias para focar nas verdades centrais que unem todos os verdadeiros crentes. Além disso, em um contexto de crescente secularização e analfabetismo bíblico, o Credo oferece um resumo acessível e memorável das doutrinas essenciais, servindo como uma introdução à fé cristã para inquiridores e como um lembrete constante para os fiéis.
O estudo do Credo também nos ajuda a desenvolver uma consciência mais profunda da natureza comunitária e histórica da fé cristã. Quando recitamos “Creio”, não estamos apenas expressando uma convicção pessoal, mas nos unindo a uma vasta comunhão de santos que, ao longo dos séculos, confessaram as mesmas verdades. Esta dimensão comunitária da fé é particularmente importante em uma cultura individualista que tende a reduzir a religião a uma questão de preferência pessoal.
A História e Origem do Credo Apostólico
A história do Credo Apostólico é fascinante, envolvendo séculos de desenvolvimento gradual e refinamento teológico. Embora a tradição medieval tenha atribuído sua composição diretamente aos doze apóstolos – chegando a sugerir que cada um teria contribuído com um artigo específico – a pesquisa histórica moderna revela um processo mais complexo e nuançado de formação e transmissão.
As raízes do Credo no segundo século
As origens mais remotas do Credo Apostólico podem ser encontradas nas fórmulas batismais e confissões de fé utilizadas pelas igrejas cristãs do segundo século. Neste período, quando os convertidos ao cristianismo eram batizados, era comum que fizessem uma profissão pública de fé, respondendo a perguntas sobre sua crença em Deus Pai, em Jesus Cristo e no Espírito Santo. Estas confissões trinitárias, inicialmente simples e breves, constituíram o núcleo a partir do qual o Credo posteriormente se desenvolveu.
Um dos precursores mais importantes do Credo Apostólico foi o chamado “Credo Romano Antigo” (também conhecido como “Symbolum Romanum” ou “Velho Símbolo Romano”), que data da segunda metade do segundo século. Esta antiga confissão já continha muitos dos elementos que posteriormente seriam incorporados ao Credo Apostólico, embora em uma forma mais concisa. O texto deste Credo Romano Antigo, conforme citado por O. G. Oliver Jr. na “Enciclopédia Histórico-Teológica da Igreja Cristã“, dizia:
“Creio em Deus Pai Todo-poderoso. E em Jesus Cristo seu único Filho nosso Senhor, que nasceu do Espírito Santo e da virgem Maria; concebido sob o poder de Pôncio Pilatos e sepultado; ressuscitou ao terceiro dia; subiu ao céu e está sentado à mão direita do Pai, de onde há de vir julgar os vivos e os mortos. E no Espírito Santo; na santa Igreja; na remissão dos pecados; na ressurreição do corpo.”
Este texto primitivo já demonstra a estrutura trinitária e o foco cristológico que caracterizariam o Credo em sua forma final, embora ainda faltem alguns elementos que seriam acrescentados posteriormente. É notável que, mesmo nesta forma primitiva, o Credo já funcionava como uma defesa contra heresias emergentes, particularmente o gnosticismo, que negava a realidade da encarnação e da morte de Cristo.
A lenda dos doze apóstolos e a formação do Credo
Uma das tradições mais persistentes sobre o Credo Apostólico é a lenda de que ele teria sido composto pelos próprios apóstolos antes de sua dispersão para evangelizar o mundo. Segundo esta tradição, que ganhou ampla aceitação durante a Idade Média, cada um dos doze apóstolos teria contribuído com um artigo específico do Credo, inspirado pelo Espírito Santo após o Pentecostes.
Esta lenda aparece pela primeira vez em um sermão erroneamente atribuído a Ambrósio de Milão no final do século IV, e foi posteriormente elaborada por Rufino de Aquileia (345-410 d.C.) em seu comentário sobre o Credo. A tradição foi amplamente aceita durante a Idade Média, contribuindo para a designação “Apostólico” e conferindo ao Credo uma autoridade quase canônica.
No entanto, esta origem apostólica direta começou a ser questionada durante o Renascimento. No Concílio de Ferrara-Florença-Roma (1438-1445), representantes da Igreja Oriental contestaram esta tradição, e o humanista Lourenço Valla (c. 1407-1457) tornou-se um crítico veemente da suposta origem apostólica do Credo. Os reformadores protestantes, embora valorizassem grandemente o Credo, também reconheceram que sua autoridade derivava de seu conteúdo bíblico, não de sua suposta autoria apostólica.
Como observou João Calvino nas Institutas: “Não tenho dúvida nenhuma de que, seja qual for a sua origem, desde o início da igreja, e até mesmo desde o tempo dos apóstolos, foi recebido como uma confissão pública e válida da fé cristã. E não é provável que tenha sido composto por algum particular, visto que o tempo todo ele tem tido autoridade inviolável, sempre respeitada, entre os crentes.”
Evolução textual até sua forma definitiva
O desenvolvimento do Credo Apostólico desde suas formas primitivas até o texto que conhecemos hoje foi um processo gradual que se estendeu por vários séculos. Diferentes igrejas locais utilizavam variações ligeiramente diferentes do Credo, acrescentando ou modificando frases para responder a desafios teológicos específicos ou para enfatizar aspectos particulares da fé.
Entre os acréscimos mais significativos que ocorreram durante este período de desenvolvimento estão a frase “desceu ao inferno” (ou “desceu aos mortos”), a menção à “comunhão dos santos” e a afirmação da “vida eterna”. Estas adições refletem desenvolvimentos teológicos importantes e respostas a controvérsias específicas que surgiram nos primeiros séculos da igreja.
A forma final do Credo Apostólico, como o conhecemos hoje, cristalizou-se por volta do século VI ou VII, quando começou a ser amplamente utilizado na liturgia oficial da igreja ocidental. No século IX, o imperador Carlos Magno sancionou o uso do Credo na Igreja, e o papa o incorporou à liturgia romana, consolidando sua posição como uma das confissões de fé mais importantes da cristandade.
É importante notar que, embora o Credo tenha atingido sua forma definitiva relativamente tarde, seus elementos constituintes são muito mais antigos, remontando aos primeiros séculos da igreja. Como observou Philip Schaff, o renomado historiador da igreja: “Como a Oração do Senhor é a Oração das orações, o Decálogo a Lei das leis, também o Credo dos Apóstolos é o Credo dos credos”.
O Credo Romano Antigo e sua Transformação
O Credo Romano Antigo representa um elo crucial na cadeia de desenvolvimento que levou ao Credo Apostólico em sua forma atual. Este antigo símbolo de fé, utilizado na igreja de Roma durante o segundo século, forneceu a base sobre a qual gerações subsequentes de cristãos construiriam e expandiriam sua confissão de fé.
Confissões batismais primitivas
As confissões batismais da igreja primitiva constituem as raízes mais profundas do Credo Apostólico. Nos primeiros séculos do cristianismo, quando um convertido era batizado, era comum que fizesse uma profissão pública de fé, geralmente em resposta a perguntas formuladas pelo bispo ou presbítero que administrava o batismo. Estas perguntas tipicamente seguiam um padrão trinitário: “Crês em Deus Pai Todo-Poderoso?”, “Crês em Jesus Cristo, seu Filho único, nosso Senhor?”, “Crês no Espírito Santo?”.

Estas simples confissões trinitárias, intimamente ligadas ao mandato batismal de Jesus em Mateus 28:19, formaram o núcleo a partir do qual se desenvolveram credos mais elaborados. Com o tempo, estas confissões foram expandidas para incluir afirmações mais detalhadas sobre cada pessoa da Trindade, particularmente sobre a pessoa e obra de Cristo, em resposta a desafios doutrinários específicos.
É importante notar que elementos de estrutura “credal” já existiam na era apostólica, como evidenciado por passagens do Novo Testamento que parecem citar fórmulas confessionais primitivas. Por exemplo, Paulo menciona em 1 Coríntios 15:3-4 uma declaração de fé que lhe foi “entregue”: “Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras.” Similarmente, muitos estudiosos consideram Filipenses 2:5-11 como um hino cristológico primitivo que pode ter sido recitado nas primeiras comunidades cristãs.
Estas confissões primitivas serviam a múltiplos propósitos: definiam a identidade cristã em contraste com o judaísmo e o paganismo circundantes, forneciam um resumo das crenças essenciais para novos convertidos, e estabeleciam limites doutrinários contra interpretações heréticas emergentes do evangelho.
Desenvolvimento histórico do texto
O desenvolvimento do Credo Romano Antigo para o Credo Apostólico completo envolveu um processo gradual de expansão e refinamento que se estendeu por vários séculos. Este processo não foi o resultado de decisões conciliares formais ou decretos imperiais, mas sim uma evolução orgânica que refletia as necessidades pastorais e os desafios teológicos enfrentados pelas comunidades cristãs em diferentes contextos.
Um dos primeiros testemunhos escritos do Credo Romano Antigo vem de Hipólito de Roma, no início do século III, que registra uma forma do credo utilizada nos batismos romanos. Esta versão já contém muitos dos elementos que encontramos no Credo Apostólico atual, embora em uma forma mais concisa.
Ao longo dos séculos III e IV, várias adições e modificações foram feitas ao texto original. Por exemplo, a frase “Criador do céu e da terra” foi acrescentada à confissão sobre Deus Pai, provavelmente em resposta a tendências gnósticas que separavam o Deus criador do Deus redentor. A afirmação de que Jesus “desceu ao inferno” (ou “aos mortos”) foi incorporada para enfatizar a realidade da morte de Cristo e sua vitória sobre os poderes das trevas.
A menção à “comunhão dos santos” foi adicionada posteriormente, refletindo o desenvolvimento da compreensão da igreja sobre sua natureza como uma comunidade que transcende as barreiras do tempo e do espaço, unindo os crentes vivos aos que já partiram. A afirmação da “vida eterna” como o destino final dos fiéis também foi um acréscimo posterior, enfatizando a esperança escatológica cristã.
É importante notar que diferentes igrejas locais utilizavam variações ligeiramente diferentes do Credo, adaptadas às suas necessidades pastorais específicas. O processo de padronização foi gradual e nunca completamente uniforme, com variações regionais persistindo por séculos.
Consolidação no século VII
Por volta do século VI ou VII, o Credo Apostólico havia atingido substancialmente a forma que conhecemos hoje, embora variações menores continuassem a existir em diferentes regiões. Este período marca a consolidação do Credo como uma confissão de fé amplamente aceita e utilizada na igreja ocidental.
Um fator importante nesta consolidação foi a crescente importância do Credo na liturgia e na catequese. O Credo, que inicialmente funcionava principalmente como uma confissão batismal, começou a ser incorporado regularmente na liturgia dominical, sendo recitado juntamente com a Oração do Senhor. Esta prática litúrgica ajudou a padronizar o texto e a garantir sua transmissão fiel de geração em geração.
No século IX, o imperador Carlos Magno desempenhou um papel significativo na promoção do uso do Credo em seu império. Como parte de seus esforços para padronizar as práticas religiosas e promover a educação cristã, Carlos Magno sancionou oficialmente o uso do Credo Apostólico na Igreja. Posteriormente, o papa incorporou o Credo à liturgia romana, consolidando ainda mais sua posição como uma das confissões de fé mais importantes da cristandade ocidental.
É importante observar que, embora o Credo tenha atingido sua forma final relativamente tarde, seus elementos constituintes são muito mais antigos, remontando aos primeiros séculos da igreja. A autoridade do Credo não deriva de sua suposta autoria apostólica direta, mas sim de sua fidelidade ao ensino apostólico preservado nas Escrituras e de seu uso contínuo pela igreja ao longo dos séculos.
Como observou o teólogo Herman Witsius: “A autoridade deste Credo não depende de quem foram seus autores, mas da conformidade de suas doutrinas com as Escrituras Sagradas.” Esta perspectiva seria posteriormente adotada pelos reformadores protestantes, que valorizavam o Credo não como uma adição à autoridade bíblica, mas como um resumo fiel do ensino bíblico.
O Credo Apostólico na Teologia Reformada
O Credo Apostólico ocupa um lugar de destaque na tradição reformada, sendo valorizado não apenas como um vínculo com a igreja histórica, mas também como uma expressão concisa e autoritativa das verdades fundamentais da fé cristã. Os reformadores do século XVI, em sua busca por retornar às fontes puras do cristianismo, reconheceram no Credo Apostólico um testemunho fiel do ensino bíblico e apostólico.
A valorização do Credo pelos Reformadores
Contrariamente à percepção equivocada de que os reformadores protestantes rejeitaram todas as tradições eclesiásticas anteriores, a Reforma demonstrou um profundo apreço pelos credos ecumênicos da igreja primitiva, particularmente o Credo Apostólico. Os principais reformadores – Lutero, Calvino, Zwínglio e outros – consideravam estes credos como expressões válidas e valiosas da fé cristã, desde que subordinados à autoridade suprema das Escrituras.
Martinho Lutero (1483-1546) incorporou o Credo Apostólico em seu Catecismo Menor, dividindo-o em três artigos correspondentes às três pessoas da Trindade e fornecendo explicações detalhadas de seu significado. Para Lutero, o Credo representava um resumo claro e acessível das verdades essenciais da fé, adequado tanto para a instrução de crianças e novos convertidos quanto para a devoção contínua dos crentes maduros.
Ulrico Zwínglio (1484-1531), o reformador de Zurique, também valorizava o Credo Apostólico, utilizando-o em sua liturgia reformada e defendendo-o como uma expressão válida da fé cristã. Zwínglio via no Credo um vínculo importante com a igreja histórica e uma defesa contra inovações doutrinárias perigosas.
É importante notar que, entre os principais grupos da Reforma, apenas os anabatistas demonstraram reservas significativas em relação ao uso dos credos históricos, preferindo enfatizar a autoridade exclusiva das Escrituras e a experiência direta do Espírito. Esta posição, no entanto, representava uma minoria dentro do movimento reformador mais amplo.
A valorização dos credos pelos reformadores refletia sua compreensão da natureza da igreja como uma comunidade que transcende o tempo e o espaço. Embora críticos de muitos desenvolvimentos medievais que consideravam desvios da pureza original do evangelho, os reformadores reconheciam que o Espírito Santo havia preservado as verdades essenciais da fé ao longo da história da igreja, e viam nos credos ecumênicos uma expressão dessa preservação providencial.
João Calvino e sua apreciação do Credo
João Calvino (1509-1564), um dos mais influentes teólogos da tradição reformada, demonstrou um apreço particular pelo Credo Apostólico, referindo-se a ele frequentemente em seus escritos e incorporando-o em sua liturgia e catequese. A estrutura das “Institutas da Religião Cristã”, sua obra teológica magistral, reflete em muitos aspectos a estrutura trinitária do Credo, com seções dedicadas a Deus Pai como Criador, a Cristo como Redentor e ao Espírito Santo como Santificador.
Em seu comentário sobre o Credo nas Institutas, Calvino expressa sua alta estima por este antigo símbolo de fé:
“Nele toda a dispensação da nossa salvação é exposta de tal maneira em todas as suas partes que não se omite nem um só ponto. Dou-lhe o nome dos apóstolos, não me preocupando muito com quem terá sido o autor. É grande o número dos que aceitam como certa a atribuição feita pelos antigos da autoria do Símbolo aos apóstolos, quer entendendo que foi escrito por eles em comum, quer pensando que foi uma compilação da sua doutrina, assimilada e filtrada pela reflexão de alguns outros, querendo, contudo, dar-lhe autoridade por meio desse título. Seja como for, não tenho dúvida nenhuma de que, seja qual for a sua origem, desde o início da igreja, e até mesmo desde o tempo dos apóstolos, foi recebido como uma confissão pública e válida da fé cristã.”
Esta passagem revela vários aspectos importantes da atitude de Calvino em relação ao Credo. Primeiro, ele valoriza o Credo por seu conteúdo doutrinário abrangente, que resume “toda a dispensação da nossa salvação”. Segundo, ele demonstra uma saudável cautela histórica em relação à tradição da autoria apostólica direta, reconhecendo que a autoridade do Credo deriva não de quem o escreveu, mas de sua fidelidade ao ensino apostólico e de sua aceitação contínua pela igreja. Terceiro, ele enfatiza a antiguidade e o uso universal do Credo, vendo nele um vínculo com a igreja primitiva e uma expressão da unidade essencial da fé cristã através dos séculos.
Calvino também utilizou o Credo Apostólico em seu “Catecismo de Genebra” (1545), fornecendo uma explicação detalhada de cada artigo e demonstrando sua relevância para a vida cristã. Esta abordagem catequética do Credo seria posteriormente adotada por muitos outros teólogos reformados, que viam nele uma estrutura ideal para a instrução doutrinária.
O Credo na liturgia e catequese reformada
Na tradição reformada, o Credo Apostólico desempenha um papel importante tanto na liturgia pública quanto na instrução catequética. Nas igrejas reformadas e presbiterianas, o Credo é frequentemente recitado como parte do culto dominical, servindo como uma confissão pública da fé compartilhada pela congregação e como um lembrete das verdades fundamentais do evangelho.
A recitação litúrgica do Credo serve a múltiplos propósitos: reafirma a identidade cristã da congregação, fortalece o senso de continuidade histórica com a igreja universal, proporciona uma oportunidade para a confissão pública da fé, e serve como um lembrete regular das verdades essenciais do evangelho. Em muitas tradições reformadas, o Credo é recitado de pé, simbolizando a disposição da congregação de afirmar publicamente e defender estas verdades.
Além de seu uso litúrgico, o Credo Apostólico desempenha um papel central na catequese reformada. Os principais catecismos da tradição reformada – incluindo o Catecismo de Heidelberg, o Catecismo Menor de Westminster e o Catecismo de Genebra – incorporam o Credo como uma estrutura para a instrução doutrinária, fornecendo explicações detalhadas de cada artigo e demonstrando sua relevância para a vida cristã.
O Catecismo de Heidelberg (1563), um dos documentos confessionais mais amados e amplamente utilizados na tradição reformada, dedica as questões 22-58 à explicação do Credo Apostólico, organizando-as de acordo com a estrutura trinitária do Credo. Esta seção do catecismo não apenas explica o significado teológico de cada artigo, mas também enfatiza seu significado prático e seu conforto para o crente.
De maneira similar, o Catecismo Menor de Westminster (1647) utiliza o Credo como uma estrutura para a instrução doutrinária, fornecendo explicações concisas e acessíveis de cada artigo. A Confissão de Fé de Westminster, embora não cite diretamente o Credo, reflete sua estrutura e conteúdo em muitos aspectos, demonstrando a influência contínua deste antigo símbolo de fé no pensamento reformado.
Esta ênfase catequética no Credo reflete a convicção reformada de que a fé cristã envolve não apenas confiança pessoal em Cristo, mas também a aceitação intelectual de certas verdades reveladas. Como observou Calvino, “a fé não é um conhecimento vago e frio, mas requer um conhecimento definido da graça divina, fundado na verdade do evangelho prometido.”
Conclusão: A Permanente Relevância do Credo Apostólico
O Credo Apostólico, com sua história rica e seu conteúdo teologicamente denso, continua a desempenhar um papel vital na vida e no testemunho da igreja contemporânea, particularmente na tradição reformada. Longe de ser um mero artefato histórico ou uma relíquia de uma era passada, o Credo permanece como um recurso vivo e dinâmico para a adoração, a instrução e a apologética cristã.
Síntese dos pontos principais
Ao longo deste artigo, exploramos a história, a origem e o significado do Credo Apostólico, com ênfase particular em sua importância na tradição reformada. Vimos que, embora o Credo não tenha sido composto diretamente pelos apóstolos, como sugere a lenda medieval, ele representa um desenvolvimento orgânico das confissões batismais primitivas e do Credo Romano Antigo, atingindo sua forma final por volta do século VI ou VII.
Examinamos o papel do Credo como uma confissão batismal, um instrumento catequético e uma afirmação litúrgica, observando como ele sintetiza as verdades fundamentais da fé cristã em uma estrutura trinitária que confessa a fé em Deus Pai como Criador, em Jesus Cristo como Redentor e no Espírito Santo como Santificador. Destacamos também como o Credo serviu como uma defesa contra heresias emergentes, particularmente o gnosticismo, que ameaçavam a integridade da fé apostólica.
Exploramos a alta estima em que os reformadores protestantes tinham o Credo, contrariando a percepção equivocada de que rejeitaram todas as tradições eclesiásticas anteriores. Vimos como Lutero, Calvino e outros reformadores valorizavam o Credo como uma expressão válida e valiosa da fé cristã, incorporando-o em suas liturgias e catecismos. Destacamos particularmente a apreciação de Calvino pelo Credo, que ele considerava um resumo abrangente da “dispensação da nossa salvação” e uma “confissão pública e válida da fé cristã” desde os tempos apostólicos.
Finalmente, examinamos o papel contínuo do Credo na liturgia e na catequese reformada, observando como ele serve como uma confissão pública da fé compartilhada pela congregação e como uma estrutura para a instrução doutrinária em catecismos como o de Heidelberg e o de Westminster.
Convite à reflexão e aprofundamento
À luz desta rica herança, somos convidados a uma apreciação renovada do Credo Apostólico como um tesouro da fé cristã e um recurso para a igreja contemporânea. Em um mundo caracterizado pela fragmentação doutrinária e pelo relativismo teológico, o Credo nos oferece um resumo claro e autoritativo das verdades essenciais do evangelho, um ponto de referência comum que pode ajudar a unir cristãos de diferentes tradições em torno das verdades centrais da fé.
Para os cristãos reformados, o Credo oferece uma oportunidade de reconexão com as raízes históricas da fé, transcendendo as divisões denominacionais e as controvérsias teológicas secundárias para focar nas verdades centrais que unem todos os verdadeiros crentes. Ele nos lembra que, embora a Reforma tenha envolvido uma crítica necessária de certos desenvolvimentos medievais, ela também afirmou uma continuidade essencial com a igreja histórica e seu testemunho às verdades apostólicas.
O estudo do Credo também nos convida a uma reflexão mais profunda sobre o conteúdo da fé cristã e suas implicações para nossa vida e testemunho. Cada artigo do Credo, longe de ser uma mera afirmação abstrata, tem implicações profundas para nossa compreensão de Deus, de nós mesmos e do mundo. Como observou o teólogo Karl Barth, “O Credo não é apenas algo que recitamos; é algo que vivemos.”
Finalmente, o Credo nos desafia a considerar a natureza comunitária e histórica da fé cristã. Quando recitamos “Creio”, não estamos apenas expressando uma convicção pessoal, mas nos unindo a uma vasta comunhão de santos que, ao longo dos séculos, confessaram as mesmas verdades. Esta dimensão comunitária da fé é particularmente importante em uma cultura individualista que tende a reduzir a religião a uma questão de preferência pessoal.
Que nossa exploração do Credo Apostólico nos leve não apenas a uma compreensão mais profunda de suas origens históricas e seu significado teológico, mas também a uma apreciação renovada de sua relevância contínua para a vida e o testemunho da igreja no mundo contemporâneo.
Referências Bibliográficas
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